Miguel Lago, Patrícia Jorge e Lucy Evangelista
Em busca de um modelo de gestão. Como viabilizar um projecto de Arqueologia em Construção.
A partir do conceito de Arqueologia em Construção, que a Era Arqueologia tem vindo a desenvolver como ferramenta conceptual de abordagem transversal às questões da investigação, valorização e dinamização sócio-económica de valores patrimoniais de cariz arqueológico, pretende-se focar os problemas decorrentes da passagem para a sua aplicação prática.
De facto, se o conceito foi desenvolvido assumindo perspectivas de ruptura com modelos vigentes de valorização patrimonial vincadamente estatizantes e veiculadores de visões cristalizadas do passado e normalmente desfazadas de processos dinâmicos, a sua efectiva concretização coloca desafios ao nível da sua implementação.
Isto porque, a Arqueologia em Construção, enquanto forma de criar uma dimensão pública nos processos de investigação, salvaguarda e valorização arqueológica abrindo à sociedade não só os resultados da investigação mas também as etapas por que tais processos passam, implica que os investigadores estabeleçam mecanismos de diálogo com o público que nas visões tradicionais não existem.
Na busca de um modelo de gestão sustentável a longo prazo para um projecto de Arqueologia em Construção aplicado no Complexo Arqueológico dos Perdigões, está em curso um vasto estudo de viabilidade. A sua etapa inicial, recentemente concluída, implicou um estudo de Benchmarking (processo sistemático e contínuo de avaliação dos produtos, serviços e processos de trabalho das organizações que são reconhecidas como representantes de melhores práticas) de sítios arqueológicos geridos com sucesso e assentes em filosofias de abordagem com afinidades à Arqueologia em Construção: Atapuerca, Çatalhöyuk, Vindolanda, Muralha de Adriano, Altamira e Jorvik.
É este processo dinâmico que esta comunicação pretende transmitir.
In search of a management model. From theory to practice: Making Archaeology in Construction work.
Our aim in this paper is to highlight the problems arising from the practical application of the concept of Archaeology in Construction, which Era Arqueologia has been developing as a conceptual tool for a transversal approach to the questions of research, valorisation and socio-economic enhancement of archaeological patrimony.
Indeed, although it assumed a move away from traditional models of valorisation of heritage, which were clearly associated to the state, with fixed ideas about the past, and generally lacking dynamism, it has proved challenging to implement this concept.
As a means of creating a public dimension to the processes of investigation, Archaeology in Construction safeguards archaeological valorisation, making available to society not only the results but also the stages of the process of investigation. This, however, implies that researchers establish the mechanisms of dialogue with the public, which in the traditional approach does not exist.
The search for a long-term sustainable model of management of Archaeology in Construction, applied to the Archaeological Complex of Perdigões, has led to a thorough viability study. The first stage, recently completed implies a Benchmarking study ( a systematic and continuous evaluation of products, services, and working methods of organisations which are considered to be representative of good practice) of archaeological sites which are successfully managed based on approaches which have some affinity with Archaeology in Construction: Atapuerca, Çatalhöyuk, Vindolanda, Hadrian’s Wall, Altamira and Jorvik.
It is this dynamic process which this paper aims to transmit.
António Carlos Valera
Animalidade e ontologia humana no 3º milénio AC: necessidade de uma reconceptualização teórica da relação homem – animal na Pré-História Recente?
A crítica à concepção de Ciência Moderna e a consciência de que todo o conhecimento é uma produção contingente têm gerado em Arqueologia inúmeras críticas à construção de um passado demasiado “familiar”. No que respeita à Pré-História Recente, a projecção acrítica de situações consideradas naturais e universais é ainda uma circunstância que suscita pouco controlo reflexivo como princípio orientador da investigação.Esta circunstância tem sido evidente no tratamento que a Arqueologia (e a Arquezoologia) tem feito da relação Homem / Animal, nomeadamente no que concerne à questão da domesticação.
Dominada por tendências teóricas de pendor funcionalista e materialista e por um quadro mental de exteriorização ontológica do Homem relativamente à Natureza, esta relação tem sido abordada predominantemente no âmbito de um estrito economicismo: os animais são perspectivados como simples recursos à disposição dos grupos humanos, que os exploram e gerem de acordo com estratégias que obedecem a princípios da racionalidade economicista moderna.
De uma maneira geral, estas abordagens descuram um problema central para compreender o fenómeno da domesticação: as implicações que nesse fenómeno tem (e que dele resultam sobre) a concepção que o Homem faz de si próprio e do mundo que o rodeia. Ocorrendo num mundo onde a familiaridade com o natural é ainda dominante, em que concepções animistas do universo enquadram o pensamento humano, o problema da relação Homem-Animal é muito mais que uma questão de subsistência e de gestão económica: é um problema cognitivo, de visão do mundo e de contingência histórica das concepções e descrições do humano.
A presente comunicação procurará reflectir, a partir destes pressupostos críticos e de um conjunto de estatuetas de animais provenientes da necrópole do Complexo Arqueológico dos Perdigões, sobre a necessidade de uma reorientação teórica nestes estudos, com reflexos nos procedimentos de campo, nomeadamente no que respeita ao detalhe e qualidade do registo (que sabemos sempre dependente do questionário ou da ausência dele).Sublinhar-se-á que esta reorientação teórica não é ideologicamente neutra, sendo enquadrada por um contexto de dissolução de visões essencialistas e universalistas do humano e de uma reaproximação cultural à ideia de comunhão com a natureza, a qual tem sido personificada pelas ideologias ecologistas. Contudo, da mesma forma devemos resistir à projecção de um actual “paternalismo ecologista”, procurando “dar espaço ao passado” através de uma interrogação crítica dos dados empíricos, do raciocinar sobre eles a partir de diferentes pontos de vista, utilizando a analogia como procedimento metodológico. Esta comunicação constituir-se-á como o texto fundador de uma das linhas de investigação a desenvolver a partir do Complexo Arqueológico dos Perdigões pelo Núcleo de Investigação Arqueológica da ERA Arqueologia S.A..
“Animality and human ontology in the 3rd millennium BC: the need for a theoretical review of human – animal relationship in Recent Prehistory.”
The critique of Modern Science and the conscience of knowledge contingency have supported accusations to a “familiar” Prehistory presented by the archaeological discourse, resulting in projections of contemporary situations, considered as natural and universal. This has been evident wile addressing human / animal relationship, namely regarding domestication.
Dominated by functionalistic an materialistic approaches and by a contemporaneous Human ontology (human / nature separation), this relationship has been addressed mainly in an economic bases, where animals are seen simply as economic resources explored in the context of economic strategies of modern rationality.A central problem has been forgotten: the implications of human self representation and of world representation in the process of domestication. That process took place in a world dominated by a higher familiarity with the natural and by animistic conception of the universe, so the human / animal relationship is a cognitive and ideological problem, as much as an economic one.
Supported in this critique and in the question raised by a set of animal statuettes from Perdigões necropolis, the present paper will debate the need for theoretical reorientation of research, with consequences for field procedures, namely in terms of the quality and detail of the archaeological record. It will be also stressed that this theoretical reorientation in not ideologically neutral, but related to a context of critique of essentialist and universalist values of humanity and of a “coming back to nature” ideology, expressed by ecological discourses. Nevertheless, this tendency also need reflexive control, giving “space to the past” to “reveal its differences” through a tight inquiry of empirical data, a diversity of approaches and using analogy as methodological procedure. This paper will constitute the base of departure of a research project to be developed in the Perdigões archaeological complex by the Archaeological Research Group (Núcleo de Investigação Arqueológica) of ERA Arqueologia S.A..
André Oliveira
A Casa da Câmara de Vila Real de Santo António: a métrica e a forma de um mercado
A presente comunicação refere-se aos trabalhos arqueológicos, realizados pela ERA- Arqueologia SA, no âmbito do projecto de reabilitação do edifício da Casa da Câmara de Vila Real de Santo António. Esta intervenção teve lugar entre Maio e Dezembro de 2007.
Para entendermos os pressupostos que nos levaram a esta intervenção temos de recuar à década de 60 do século XVIII, quando a viragem económica obrigou a Coroa portuguesa a aumentar a “substância do reino”, estruturando as suas finanças, ao aproveitar os recursos piscatórios do Algarve. A par deste intento reformador da Coroa, a conflituosidade com Espanha crescia do outro lado do Atlântico, fazendo com que os imperativos políticos e económicos desta contenda transformasse uma guerrilha de pescarias numa guerra diplomática, na costa de Monte Gordo. É neste contexto de tensão e reformismo que nasce Vila Real de Santo António, símbolo de um urbanismo gerador de poder. Reproduzia-se, assim, o molde ultramarino, da forma urbana como expressão de poder.
Fruto da confluência do pensamento racional, emanado pela “Escola Portuguesa de Arquitectura e Urbanismo” e dos mais fortes desígnios da administração pombalina, surge pela mão de Reinaldo Manuel dos Santos, esta peça única do urbanismo português. Um conjunto coerente que tem por base a expressão matemática, que advém da simples aplicação do portulano e da Rosa dos Ventos e Rumos (RVR) à causa urbana. Este último elemento, utilizado como uma espécie de ábaco, seria essencial para garantir o resultado geométrico da modelação da urbe. Todo o rigor aportado pela RVR e pelo sistema de sequência alfanumérica, presente no ritmo gerado pelo binómio – vãos cheios/vazios, explanado por toda a cidade, apresentou-se como o ponto-chave para a nossa intervenção.
Foi a conjugação do conhecimento deste pensamento matemático, com a metodologia arqueológica, que tornou possível reescrever a história deste quarteirão. Esta comunicação visa explorar apenas a dimensão arquitectónica, espacial e funcional da parte Este do mesmo, referida nas fontes como um Mercado setecentista e Logradouro. Ao contrário do restante edifício, não é conhecido um projecto de implantação para esta área, havendo apenas uma proposta da sua arquitectura e métrica, feita pelo Arq.º João Horta, com base na sequência rítmica dos arcos das salgas.
A intervenção permitiu desmontar esta teoria, para além de ter possibilitado a compreensão de estarmos perante um espaço que reproduz os modelos formais de anteriores mercados algarvios. Nesse sentido, o congénere em análise não resulta de um desenho imposto pela Casa do Risco.
Este trabalho permitiu à equipa de arquitectura da Casa da Câmara restituir a volumetria e métrica do edifício e da própria Praça Marquês de Pombal, a partir da descoberta dos vestígios pombalinos conservados.
The city hall of Vila Real de Santo António: metric and shape of a market
The current communication refers to the archeological works done by ERA- Arqueologia S.A., in the rehabilitation project of the Vila Real de Santo António’s City Hall Building. This intervention took place between May and 2007’s December.
In order to understand the assumptions which lead us to this intervention, we have do go back to 60th decade of the XVIII century. At this time, the economic crisis forced the Portuguese Crown to increase the “kingdom’s substance” through a new financial structure which exploit the Algarve’s fishery resources. Simultaneously to this intent of reform, the conflict with Spain was growing up in the other end of the Atlantic Ocean and because of that the political and economic’s imperatives of this strife transformed guerrillas of fisheries into a diplomatic war in Monte Gordo’s Coast. It was in this context of tension and reformism that Vila Real de Santo António was born, as a symbol of an urbanism generator of power, following an overseas mold.
Born from the confluence of the rational thinking of the “Portuguese School of Architecture and Urbanism” and the strong designs of Marquês de Pombal administration arose by the hand of Reinaldo Manuel dos Santos this unique piece of Portuguese urbanism. It was built following the mathematic expression 1+Ö2 which came from the application of the portolan chart and the compass rose in the urban design. This expression was used like an abacus to draw the city.
The key point of this intervention is the result of the mixture of the Compass Rose and the alphanumeric sequence of the filled and empty voids.
The archeological methodology combined with the mathematic thinking lead us to rewrite the history of this quarter. This communication only explores the spatial, functional and architectural dimensions of the eighteenth century´s Market and Logradouro in the quarter’s East side. Unlike the remaining quarter, it’s not known any project about these buildings’ architecture, although there is proposal, by Arq.º João Horta, based on the rhythmic sequence of salt’s arches.
With this intervention we counteract the existing idea and show that this building was constructed with different architectural parameters.
It was possible to the architectural team, involved in the Casa the Câmara’s rehabilitation, to give to the quarter and Marquês de Pombal square the original metric and volumetry.